sábado, 26 de janeiro de 2013

O caso Liliana e os seus 10 filhos - ensaio social

Este assunto é por natureza demasiado sensível, podendo facilmente polarizar a opinião pública.

O caso em questão refere-se à mãe Liliana e seus 10 filhos, que por ter recusado algumas das medidas que o tribunal de Sintra decretou há uns anos, vê agora uma sentença que a inibe de manter 7 dos seus 10 filhos em casa.

O tribunal decide em função das leis que lhe aparecem à frente, sendo certo que leis defeituosas interpretadas por juízes pouco vividos na vida (já estou a criar juízos de valor, mas não consigo resistir) pode dar em acordãos e sentenças como esta.

Como medidas que o tribunal decretara há anos e que não foram cumpridas por Liliana, temos a seguinte lista:
Laqueação das suas trompas
Obtenção de emprego como forma de obter mais meios financeiros
Plano de vacinação das crianças em dia
Zelo pela higiene, vestuário e pontualidade na escola
e mais qualquer coisa que apareça

A laqueação de trompas estava logo à partida fora de questão, já que a sua religião não o permitia.
O pai dos filhos, que vive uma vida poligâmica com 3 mulheres, julgo ser "vidente" de profissão. Certamente que este lifestyle do pápá também não ajudou.

Acerca da proposta das assistentes sociais em retirar 7 dos filhos de Liliana nada tenho a referir, já que é o tribunal que decide de acordo com a lei e não elas.

Mas é realmente a decisão do tribunal que mais me impressiona em tudo isto, porque o lado afetivo que esta mãe tinha para com os filhos não é posto em causa, antes pelo contrário até é reforçado.

Basicamente, sendo o AMOR que uma mãe tem pelos filhos de carácter subjetivo, é certamente muito difícil de quantificar, e qualificar-se para os critérios a ter em conta pelo juiz ou grupo de juízes no momento da decisão.
É apenas a questão material e económica que está em cima da mesa, a par da laqueação das trompas como medida preventiva para evitar mais procriação naquela casa.

A decisão do tribunal em acatar a sugestão das assistentes sociais, certamente de acordo com a lei, revela o tipo de sociedade que parece estarmos a conceber e a aprimorar:

- O Estado concebe regras e instituições que vigiam e controlam as famílias considerada de risco, podendo atuar nos termos da lei na perpetuação ou não daquelas famílias
- O Estado intromete-se nas famílias, não porque a mãe ou o pai cometeram qualquer tipo de crime para com os filhos, mas porque correm-se riscos de não os tratarem bem, de acordo com as normas vigentes de higiene, educação, saúde que o Estado julga serem as mais adequadas para as crianças.
- O Estado decide se uma mãe deve ser forçada a laquear as trompas ou não como forma de a inibir em termos de procriação, atuando profilaticamente face a um potencial risco de desagregação familiar por haver filhos a mais

O edifício judicial que se está a construir em torno destas matérias é muito perigoso.
Quando há margem para exigir a uma mãe que laqueie as trompas sem esta ter cometido algum tipo de crime é já uma intromissão inadmissível na vida das pessoas.
Com decisões deste tipo estamos a construir uma sociedade em que os "iluminados" (alguns) sabem o que é melhor para o resto, e não hesitam em aplicá-lo, havendo instituições e poder para o fazer.

Não creio que as assistentes sociais e os juízes queiram o mal para a Liliana. Não creiam que haja prazer mórbido em tomar decisões desta natureza. Há sim uma vontade genuína dos juízes em fazer aquilo que eles e a lei acham que é o "real interesse da criança".
Como podem os juízes saber se o AMOR que a Liliana deixará de dar aos seus filhos será o melhor para eles.
O que é que é mais importante para uma criança?
Ser feliz mesmo tendo poucos ou nenhuns meios (nenhuma criança precisa de grandes meios materiais para ser feliz) ou,
ser-lhe retirado o amor maternal porque os meios materiais que a mãe põe à sua disposição são insuficientes, de acordo com as métricas que o Estado e a Lei definem?

Mais uma vez, as boas intenções da entidade Estado imperam, mas como já tantas vezes escrevi, de boas intenções está o Inferno cheio.
O Estado julga-se protetor e sumo sacerdote em questões desta natureza.

A ser mesmo assim, o edifício que se está a construir não é melhor do que se fez na Idade Média quando a Igreja assumiu o poder moral no Mundo Ocidental.

Também não é melhor do que o idealismo romântico alemão do século XIX, em que filósofos como Hegel exaltaram a força moral do Estado, e de como todos nos devemos reger àquilo que ele nos dita. Só assim seríamos livres, defendia ele. Todos sabemos em que tipo de regime desembocou o idealismo romântico alemão do século XIX

E também não é melhor do que defendeu Karl Marx (aliás, discípulo de Hegel) com a construção de um Estado que tudo controlaria, dando máxima liberdade ao proletariado para se defender do jugo opressor do patronato. Era tão bom tão bom que as classes sociais tenderiam naturalmente a desaparecer com este tipo de regime. O povo ficaria livre... do patronato, mas escravizado das regras centralizadas que alguém também achava que era o mais adequado para elas.
Também sabemos que tipo de sociedade se construiu baseada no idealismo de Marx.

Continuamos a não querer aceitar que pouco ou nada sabemos da vida humana e da sua complexidade.

Continuamos a julgar que sabemos o que é melhor para o próximo, sem sequer olharmos para o espelho. Terão os juízes ou as juízas mais Amor para dar aos seus filhos do que tem Liliana para dar aos seus?

Continuamos a aspirar pela sociedade perfeita, controlada nos comportamentos e limitada pela força da lei.

E será que este afã protetor e controlador do Estado para com os seus cidadãos irá alguma vez parar?

- Câmaras de vigilância dentro das casas de famílias "problemáticas"?
- Drones a sobrevoar cada escola?
- Instituições de ensino e educação para jovens que deixaram de receber o amor dos pais? Não seria muito diferente do projeto Lebensraum de Hitler

Enquanto sociedade, se quisermos mais proteção, teremos que comer sempre menos liberdade individual no prato.
Não dá para termos liberdade individual em simultâneo com um Estado que se substitui à liberdade das pessoas quando julga que estas não cumprem regras "higiénicas" definidas na lei...

Temos que escolher a dose que queremos de República e a dose que queremos de Tirania. O melhor dos dois mundos não é possível.

Alegadamente, quando a Liliana disse ao juíz que a sua religião não permitia a laqueação das trompas, este terá respondido:
«O que o juiz me disse foi que tínhamos de deixar em África os nossos hábitos e tradições e que aqui tínhamos de nos adaptar»

A arrogância intelectual e a soberba cultural costumam produzir homens e mulheres com este tipo de ideias.

Entristece-me que o que se fez à Liliana possa ser feito a mim ou a vós, só porque alguém considera que os nossos critérios materiais e educativos são insuficientes em função das métricas que alguém estabeleceu e tomou em forma de lei.

Tiago Mestre

1 comentário:

Anónimo disse...

porque veio Liliana para Portugal?
porque quer que as suas crianças aqui nasçam?
Não teremos nós como sociedade que também como corresponssáveis e desejando o melhor para as crianças integradas nesta sociedade, que a mãe escolheu, uma palavra a dizer?