domingo, 24 de março de 2013

Do Socialismo Fabiano ao Desastre Keynesiano


A criação, em 1894, da Sociedade Fabiana, cujo principal objetivo era a implantação do socialismo por meios pacíficos, revelaria que as classes dirigentes inglesas consideravam possível o fim do capitalismo. No apogeu do imperialismo britânico, a eliminação da pobreza parecia impossível às camadas pensantes da época. A prevalecer tal hipótese, seria fatal a substituição do sistema econômico vigente pelo socialismo. Nos dois últimos decênios do século XIX ainda perduravam fortes traços das condições sociais deprimentes, descritas por Friedrich Engels, em livro clássico, de 1844, quatro anos antes de Marx lançar o Manifesto Comunista , cuja primeira redação era do próprio Engels.

Se o advento do socialismo seria fruto de transição não-revolucionária, ficando implícita a preservação das liberdades democráticas, não haveria de faltar apoio financeiro à Sociedade Fabiana, criada pelo casal Sidney (1859-1947) e Beatrice Webb (1858-1943) e por Bernard Shaw (1856-1950). Aderiram à agremiação H. G. Wells, Leonard Woolf, John Maynard Keynes, Bertrand Russel e vários outros intelectuais do mesmo nível.

Dirigida por figuras de prestígio social e intelectual, a Sociedade não precisava mendigar recursos financeiros. Foram de tal vulto as doações milionárias recebidas, que permitiram ao casal Webb, logo em 1885, criar a London School of Economics and Political Science, que viria a ser uma das instituições de ensino superior de maior renome em todo o mundo.

Com o apoio da Sociedade à fundação do Partido Trabalhista, em 1900, os fabianos passam a fazer política, pois muitos deles eram dirigentes do movimento laborista. Em 1904, os trabalhistas ganham representação no Parlamento e passam a falar em nome de mineiros, ferroviários e trabalhadores de outros setores.

A Sociedade representava uma fonte de idéias para a bancada trabalhista na Câmara dos Comuns, destacando-se entre seus textos, em prol do gradualismo, as propostas sobre o salário mínimo, de 1906, a criação do Serviço Nacional de Saúde, de 1911, e pela abolição das restrições à ascensão social dos filhos de trabalhadores, de 1917. Os socialistas fabianos mantinham posição crítica diante do livre comércio e aderiram ao protecionismo com o objetivo de proteger a economia nacional contra a competição estrangeira.

Principalmente depois que os bolcheviques, a mando de Lênin, fuzilaram a família real e membros da aristocracia da Rússia, em julho de 1918, os governos do Ocidente, em particular os de países sob regime monárquico, passaram a temer a repetição de eventos dessa natureza. Causava profunda impressão nas sociedades ocidentais o noticiário sobre os sete ou oito milhões de órfãos russos, vivendo ao relento, como um dos reflexos da matança de aristocratas, proprietários rurais e burgueses. Nos sete decênios do regime comunista, a execução da família real era assunto proibido na extinta União Soviética. Finalmente, em 1998, o presidente Boris Ieltsin encerrou parte desse drama, ao presidir a cerimônia de translado dos restos mortais de Nicolau II, da esposa, três filhas e quatro empregados, da cidade de Sverdlovsk, nos Urais, para sepultamento no jazigo da família em São Petersburgo.

É provável que nas décadas de 20 e 30 do século passado, a severa repressão soviética ao capitalismo e às camadas sociais russas que a ele estivessem ligadas, tenha causado funda impressão nas esferas superiores da sociedade britânica. Era, portanto, plenamente justificado o consentimento dado ao proselitismo sobre a transição pacífica da economia liberal para o governo socialista.

Os fatos demonstravam que as classes dirigentes davam seu consentimento ao proselitismo sobre a transição pacífica da economia liberal para o governo socialista. Bastaria lembrar que os fabianos eram membros da aristocracia. Sidney Webb veio a ser barão de Passfield, em 1929, e automaticamente membro da Câmara dos Lordes. Depois de viagem à União Soviética, em 1932, o casal Webb regressou entoando louvores ao novo regime (Soviet Communism: a new civilization?). Outro fabiano, feito membro da Câmara dos Lordes, foi William Beveridge, nomeado pelos Webb Reitor da London School of Economics, cargo que manteve de 1919 a 1937. Lorde Beveridge estava fadado a ser o grande pioneiro do socialismo de pós-guerra, com a criação do Sistema Nacional da Saúde, que universalizou
os benefícios da saúde pública e antecedeu o processo de estatização que fez do governo britânico, até a vinda de Margaret Thatcher, um grande gestor ineficiente de empresas deficitárias.

Promovendo a difusão de literatura socialista, só o casal Webb era autor de 22 livros sobre o tema, a Sociedade contribuiu para a promoção de autores socialistas europeus, do século XIX, distinguindo- se os trabalhos de Robert Owen, Proudhon, Saint Simon, Louis Blanc e muitos outros, mas ignorou Karl Marx, o que não significa que não conhecesse em pormenor as obras do autor revolucionário alemão. Bem conhecido dos fabianos e da aristocracia era o prognóstico da “crise geral do capitalismo” feito por Marx, a partir da análise das crises econômicas periódicas, mais ou menos decenais, os chamados ciclos econômicos. Marx datava de 1819 a primeira crise e, durante sua existência, testemunhou uma sucessão desses movimentos cíclicos. Era firme a sua crença na chegada fatal da “crise geral” do sistema, determinando o fim do capitalismo. Os fabianos estavam compenetrados dessa “fatalidade”. Como seres “iluminados” pretendiam cumprir a missão histórica de conduzir os acontecimentos de modo a assegurar a transição pacífica.

Essa história liga-se ao ostracismo e ao ressurgimento triunfal de John Maynard Keynes. No Natal de 1919, a publicação de As Conseqüências Econômicas da Paz, colocou o professor de Economia de Cambridge entre as figuras políticas de maior projeção da Grã-Bretanha. Mas a súbita projeção logo se seguiria à sua exclusão dos círculos oficiais como autor de um ato que seria considerado de traição nacional. Keynes havia sido o terceiro membro da delegação britânica à Conferência da Paz, chefiada pelo poderoso primeiro-ministro Lloyd George, depois de ter prestado valioso serviço público ao governo de Sua Majestade, onde se distinguira por suma competência como conselheiro do Tesouro.

Anos antes de seu ataque aos termos do Tratado de Paz, Vladimir Ilich Ulyanov Lênin, exilado na Suíça, fez, em 1914, o prognóstico de que John Maynard estava fadado a se destacar como um dos intelectuais de maior prestígio do mundo ocidental. A confirmação plena do prognóstico de Lênin coube a um dos biógrafos da eminência de Cambridge, quando tentou descrever uma cena histórica: “Lembro-me da densa multidão e da luta para se encontrar na sala até um lugar onde ficar de pé, pois todo mundo queria ouvir Keynes.” Das palestras desses dias nasceu o livro As Conseqüências Econômicas da Paz, publicado em fins de dezembro de 1919, com a severíssima crítica de Keynes ao Tratado de Versailhes.

O reverso da medalha apareceria sob a forma de um editorial de The Times, de 5 de janeiro de 1920, acusando Keynes de estar prestando serviço aos inimigos dos Aliados. Era a mensagem de que John Maynard deixara de ser persona grata da aristocracia. Ele se afastaria ainda mais do poder, ao publicar, em 1926, As Conseqüências Econômicas de Mr. Churchill, em um ousado ataque à política econômica do então primeiro-ministro.

Em 1922, com 39 anos de idade, já excluído dos centros do poder, enamorara-se da bailarina russa Lydia Lupokova, do ballet de Diaghlev, em Paris, e a trouxe para Londres, instalando-a, inicialmente, no segundo andar do prédio onde ocupava o quinto. Em agosto de 1925, celebra casamento com Lydia, fazendo do ato um acontecimento badalado em toda a Europa. Tinha bastante dinheiro para esses luxos. Operando na Bolsa, enriquecia facilmente a si e às instituições acadêmicas e artísticas às quais estava ligado.

Em fins daquele ano, Lydia o induz a uma visita a Moscou. A Rússia avançava na reconstrução de sua economia, destruída pela guerra e pela intervenção militar estrangeira. Em 1928, na segunda visita do casal à capital dos Soviets, Keynes assiste ao lançamento do Primeiro Plano Qüinqüenal de Stalin, de 1929 a 1934, cumprido com antecedência de um ano. Em Moscou, Lydia tinha muito prestígio no mundo das artes e Keynes já era conhecido como intelectual de prestígio. Estabelecidos os meios de contato, ele passou a receber documentação regular sobre a execução do Plano.

Nos primeiros anos de 1930, enquanto as economias do Ocidente soçobravam no desemprego, o Plano de Stalin tinha como característica principal, aos olhos de Keynes, o pleno emprego. Era acentuada a escassez de mão-de-obra na Rússia Soviética. O filósofo de Cambridge extraíra do plano de desenvolvimento soviético a lição de que, para contornar as crises cíclicas do capitalismo, a solução estava no investimento público em todos os setores. Vale relembrar, a propósito, o conhecimento generalizado da tese de Marx sobre as crises econômicas periódicas e a “fatalidade” da crise geral do capitalismo.

As classes dirigentes britânicas, que conviviam cordialmente com os membros da Sociedade Fabiana e com suas teses sobre o gradualismo reformista, ficaram alarmadas diante do aprofundamento e duração da crise iniciada em outubro de 1929. A crise econômica agravara-se em 1932, quando 35% dos mineiros, 48% dos metalúrgicos e 62% dos trabalhadores em estaleiros estavam desempregados. Esgotaram-se os fundos de assistência social e a partir de 1932 os benefícios pagos aos desempregados foram reduzidos. Com a Lei do Desemprego, de 1934, o governo britânico restabeleceu os níveis dos benefícios vigentes em 1931 e criou os Conselhos de Assistência ao Desemprego. Nas chamadas áreas de forte depressão, foi instaurado um sistema de concessão permitindo aos empregadores o pagamento de menos impostos quando criados empregos nas indústrias deprimidas, inclusive de tecidos, aço e construção naval.

O clima era altamente favorável a John Maynard Keynes, reintegrado nos círculos oficiais após a publicação, em 1936, da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. O pavor da “crise geral” marxista deu causa a um apelo dramático da aristocracia a Keynes: “Salve-nos!”

Ansioso por voltar a ser parte integrante do mundo oficial, Keynes atendeu ao apelo das classes dirigentes e foi amplamente recompensado com homenagens que o elevaram à Câmara dos Lordes. Em 1944, em Livro Branco, o governo britânico consagrou o keynesianismo como doutrina oficial, sacramentando a política de crescimento econômico pela via do investimento estatizante.

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