segunda-feira, 17 de junho de 2013

O Papyrus do Federal Reserve

O Papyrus do Federal Reserve

HELIO BELTRÃO

Nas últimas semanas o mercado vem dando uma lição nos investidores internacionais, em câmera lenta.  Em abril o ouro colapsou, e a partir de maio, quando o yield dos Treasuries começou a abrir: a) as moedas de países emergentes despencaram, b) as bolsas começaram a sofrer[1], c) o Nikkei devolvou metade dos enormes ganhos desde o início do Abenomics, e agora em junho d) o dólar vem caindo rapidamente contra as principais moedas, em particular o Euro e o Yen.  Os hedge funds estão sofrendo bruscas perdas, sendo que alguns fundos focados em bonds caíram mais de 10% em algumas semanas.
 Dollar Index, versus cesta de moedas (últimos 12 meses)
Dollar Index (fonte: Bloomberg)
Dollar Index (fonte: Bloomberg)
A palavra da vez do Federal Reserve é ‘taper’, que significa ‘reduzir gradualmente’.  Por uma ironia deliciosa, taper tem a mesma origem que paper: ambos derivam de papyrus, que era matéria-prima de velas, que por sua vez sofriam de tapering, ou diminuição lenta, quando acesas.  Hoje o papel pintado queima na mão de quem o carrega, com os juros zero em dólar, e preços em alta.
Os cenários econômicos americano, europeu e chinês determinarão o cenário de investimentos brasileiro nos próximos anos, em particular em relação ao preço de ações, câmbio e imóveis[2].
O Fed moderno tem como principal instrumento as chamadas open market operations.  E mais recentemente agregou também a open mouth operation, em uma tentativa de melhor ‘ancorar’ as expectativas na direção planejada.  No mundo metafórico no entanto, o Fed tem mordido a língua e a reputação de seu chairman está afundando.
O Fed tem prometido juros zero até 2015 ou quando o desemprego cair abaixo de 6.5%.  Alguns analistas falam em 2017!  Mas as críticas de vários investidores e até politicos influentes como David Stockman[3] e outros, principalmente libertários, como Ron Paul, de que a atual política do Fed é destrutiva, aparentemente têm funcionado: o Fed tem indicado um possível início de tapering do QE, o que seria, na margem, o primeiro passo de um ‘aperto’ monetário.
Mas a mera menção expôs a realidade da heroína financeira dos juros zeros – o mercado cai, está frágil e os investidores estão perdidos.
A queda brusca dos títulos indexados ao índice de inflação ao consumidor, os TIPS, mostra que o mercado passa a ter como consenso um cenário goldilocks, nem quente, nem frio, ou seja, sem crises severas nem inflação.  Os TIPS, cujos yields saíram demenos 1%[4] para a normalidade de yields positivos (ainda que baixíssimos), indicam que hoje não há particular preocupação com inflação.
Yield dos títulos do Tesouro americano, indexados à inflação (últimos 12 meses)
Yield dos TIPS (fonte: Bloomberg)
Yield dos TIPS (fonte: Bloomberg)
No mercado de ações, a busca incessante por crescimento de lucros está sendo deixada um pouco de lado.  E o parco crescimento econômico não é suficiente para pagar juros, dividendos, ou mesmo gerar uma inflação via monetização das reservas bancárias em excesso.  O inverno de Kondratiev, portanto, está gradualmente sendo apreçado nos TIPS e nas ações que entregam bons dividendos.
Enquanto isso, na zona do Euro, embora a França esteja em recessão, e a Itália esteja também em uma recessão séria, os títulos de seus governos estão em boa demanda.  A política de Mario Draghi de ‘fazer o que for necessário’ para salvar os governos e o próprio Euro, está tendo extraordinário sucesso.  O programa de OMT[5], de eventual compra de títulos soberanos europeus, que ainda não começou a operar, surtiu efeito, e devido apenas à mera promessa de compra.
Ou seja, Draghi conseguiu atenuar a crise soberana sem entrar na festa monetária japonesa (ou americana).  A moeda não cresce na zona do Euro, o que explica boa parte da alta recente do euro, que tem confundido os analistas.
Já a China, embora com crescimento mais modesto, ainda crescerá 6% ou mais.  Será a maior economia do mundo em 2017, pela medida de PPP (purchasing power parity).  A emergência da classe média chinesa é um dos principais fenômenos sociais e econômicos do século XXI.  Ou seja, as exportações de commodities brasileiras continuarão a ser beneficiadas pelo consumo de commodities chinês emergente.  Mas só a China é muito pouco para determinar preços no Brasil.  O mundo ainda é movido a dólar e seu preço.
 China, crescimento do PIB anual (1998-2013)
China - crescimento do PIB (fonte: Bloomberg)
China – crescimento do PIB (fonte: Bloomberg)
Os preços estão hoje respondendo aos discursos do Fed.  Mas será que a economia aguentaria a diminuição dos estímulos artificiais?  Tenho a impressão que não.  O Fed o faria ainda assim?  É quase impossível que o Fed, cuja direção deve trocar em janeiro, deixe a economia entrar em recessão sem adicionar estímulos.
Os próximos meses serão fundamentais para entender se haverá mesmo o tapering.

[1] O Ibovespa abriu 2013 a 63.000 pontos e agora está a 49.300.
[2] Os riscos políticos também podem ter efeito desproporcional no Brasil.  A situação geopolítica mundial é frágil.
[3] Stockman é autor de The Great Deformation, e trabalhou no governo Ronald Reagan.
[4] Investidores pagavam pelo privilégio de ter esses títulos do governo americano.
[5] A corte alemã em Karlsruhe ainda não determinou se o programa OMT é constitucional.  Provavelmente só dará seu veredito após a eleição de setembro.

SOBRE O AUTOR
Helio é ex-executivo do Banco Garantia, e presidente do Instituto Mises Brasil. Como gestor e analista de investimentos, utiliza primordialmente a Escola Austríaca e value investing, aliados à perspectiva histórica e geopolítica. Helio é membro de inúmeros conselhos de administração, e possui um MBA em Finanças pela Columbia Business School.

3 comentários:

Anónimo disse...

Sei que este site de informação e Filosofia Económica preciosa não tem esta função, mas ´´Vivendi``, que faço!?
Mantenho aposta na carteira de fundos de ações e obrigações para capitalização? Resgato tudo? Compro cofre e guardo tudo em local indeterminado!?
E quanto a metais preciosos?

Luís Ferreira

Vivendi disse...

Caro Luís Ferreira,

"The Show must go on"...
O carrossel lá vai andando e ninguém sabe quando a música vai acabar e nem o impacto que pode causar.

Para melhor assegurar os seus ativos o mais importante é a diversificação de investimentos, pois quando um ativo está em falha outro concerteza estará em alta.

Na bolsa tudo o que desce também sobe e vice-versa e só se ganha ou perde dinheiro quando se vende.

Suponha que encontrava numa casa da sua família um baú antigo que havia sido enterrado pelo seu avó o que gostaria de lá encontrar?

Papel-moeda, ações e obrigações ou metais preciosos?

Cumprimentos.

vazelios disse...

Esta noticia vem corroborar tudo o que vocês têm dito em termos de politica monetária nos ultimos 4 anos.

Não deixa de ser uma análise de factos ainda bastante prematura, mas o buraco começa a formar-se.

Não gostava de estar no papel do Ben nos próximos meses.

O homem não pode abrandar nem acabar de cavar o buraco que começou. Tem muita pressão em cima dele.