sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Os reis são outros




..."Dizer que o Alexander de Almeida tem o direito de gastar como bem queira seu próprio dinheiro, desde que ganho honestamente, é dizer o óbvio. Dizer que ele poderia doar diretamente seu dinheiro aos pobres já é acreditar que uma economia inteira possa funcionar apenas com caridade direta. E não pode. Há seis bilhões de miseráveis no mundo. A Igreja Católica é a maior instituição caritativa do planeta, precisamente porque tem patrimônio e não o doa indiscriminadamente. Se o vendesse e o distribuísse equitativamente aos seis bilhões de miseráveis, cada um deles receberia uma única quantia em dinheiro e adeus caridade. Só posso ser caridoso se tenho algo mais do que você. Se, numa sociedade complexa, eu dispuser de tudo o que tenho, tornar-me-ei tão pobre quanto você e, consequentemente, seremos dois pobres e não apenas um. No entanto, se fizer meu dinheiro render, posso ajuda-lo financeiramente ou arrumar-lhe trabalho. Economia não é jogo de soma zero.

Dizer ainda que ele deveria gastar de outra maneira seu dinheiro (e que seus gostos e predileções são fúteis) é fazer juízo de valor indevido e, no limite, irrelevante. A cada cabeça sua sentença e, considerando que nem todos são exatamente o Francisco de Assis, que o nosso herói dê satisfações de seus afetos na hora devida. Camelos talvez entrem onde ricos não entram, mas certamente muitos pobres também não passam de sepulcros caiados. A mim não importam Ferraris, roupas de grife, champanhes e casas noturnas. A mim importam outras coisas. Mas eu não seria capaz de dizer a ele que deveria gastar seu dinheiro comprando, por exemplo, mais livros. Convenhamos: ele é muito mais inofensivo tomando champanhe do que seria se lesse Karl Marx. Quisera eu que Lênin tivesse se enfiado mais tempo nas tavernas, ou que Pol Pot preferisse ser rei de camarote a carniceiro do Camboja, ou mesmo que Lula se contentasse com as cachaças e não inventasse de ser presidente de qualquer coisa. Muita gente agradeceria.

Alexander de Almeida, ainda que não saiba (e ainda que não queira), é um benfeitor. Ele tem uma empresa e emprega diretamente dezenas de funcionários. Eu não emprego nem a mim mesmo. Ele gasta numa única noite o que não gasto em um ano inteiro. Consequentemente, ele movimenta e ativa a economia numa única noite mais do que eu posso fazer durante um ano inteiro. Da Ferrari às oficinas especializadas para consertar a Ferrari, da fábrica de roupas à vendedora da loja que vende essas roupas, da produtora de champanhe à transportadora das garrafas de champanhe, das gorjetas generosas ao serviço de valet para estacionar seu carro – passando por dezenas de outros elos não mencionados –, o “rei do camarote” faz muito mais bem do que mal. Não importam suas intenções, a futilidade de sua vida, o jeito aparvalhado de confessar – e isso chega a ser comovente – que ele gasta tudo para ter a companhia de garotas. Importam os resultados economicamente concretos e aferíveis de um único passeio noturno. Os indignados indignem-se com o vereador em quem porventura tiverem votado: ele, sim, esbanja dinheiro que não é dele e não produz rigorosamente nada. Somos todos súbditos, de fato. Mas os reis são outros. "...


1 comentário:

Anónimo disse...

Isso é muito bonito... mas na prática e salvo raros excepções estas fortunas são obtidas através de fugas maciças ao impostos, corrupção e de monopólios.